Quem sou eu?

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São Paulo, São Paulo, Brazil
Sou portador de necessidades especiais decorrente de uma alteração genética no sistema nervoso central, que afeta a coordenação motora, o equilíbrio e a fala. Minha doença leva à degeneração cerebelar. Não há cura e, com o passar do tempo, as dificuldades de locomoção e comunicação aumentam. Portanto uma doença degenerativa. Mas a alegria e a esperança caminham lado a lado comigo.

sábado, 3 de novembro de 2007

Mundo Virtual.













Entrei apressado e com muita fome no restaurante.

Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, pois queria aproveitar os
poucos minutos de que dispunha naquele dia atribulado para comer e consertar
alguns bugs de programação de um sistema que estava desenvolvendo, além de
planejar minha viagem de férias, que há tempos não sei o que são.

Pedi um filé de salmão com alcaparras na manteiga,uma salada e um suco
de laranja, pois afinal de contas fome é fome, mas regime é regime, né?
Abri meu notebook e levei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:

-Tio, dá um trocado?
- Não tenho, menino.
- Só uma moedinha para comprar um pão.
- Está bem, compro um para você.
Para variar, minha caixa de entrada estava lotada de e-mails. Fico
distraído vendo poesias, as formatações lindas, dando risadas com as piadas
malucas. Ah! Essa música me leva a Londres e a boas lembranças de tempos
idos.

- Tio, pede para colocar margarina e queijo também?
Percebo que o menino tinha ficado ali.
- OK, mas depois me deixe trabalhar, pois estou muito ocupado, tá?
Chega a minha refeição e junto com ela o meu constrangimento. Faço o
pedido do menino, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto ir. Meus
resquícios de consciência me impedem de dizer. Digo que está tudo bem.

- Deixe-o ficar. Traga o pão e mais uma refeição decente para ele.

Então o menino se sentou à minha frente e perguntou:

- Tio, o que está fazendo?
- Estou lendo uns e-mails.
- O que são e-mails?
- São mensagens eletrônicas mandadas por pessoas via Internet.
Sabia que ele não iria entender nada, mas a título de livrar-me de
maiores questionários disse:

- É como se fosse uma carta, só que via Internet.
- Tio, você tem Internet?
- Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet, tio?
- É um local no computador onde podemos ver e ouvir muitas coisas,
notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar,
aprender. Tem tudo no mundo virtual.
- E o que é virtual, tio?
Resolvo dar uma explicação simplificada, novamente na certeza que ele
pouco vai entender e vai me liberar para comer minha refeição, sem culpas.

- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar.
É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos
nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.
- Legal isso. Gostei!
- Mocinho, você entendeu o que é virtual?
- Sim, tio, eu também vivo neste mundo virtual.
- Você tem computador?
- Não, mas meu mundo também é desse jeito... Virtual. Minha mãe fica
todo dia fora, só chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico cuidando do
meu irmão pequeno que vive chorando de fome, e eu dou água para ele pensar
que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo,
mas eu não entendo, pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na
cadeia há muito tempo. Mas sempre imagino nossa família toda junta em casa,
muita comida muitos brinquedos de Natal, e eu indo ao colégio para virar
médico um dia. Isto não é virtual, tio?
Fechei meu notebook, não antes que as lágrimas caíssem sobre o
teclado.

Esperei que o menino terminasse de literalmente 'devorar' o prato dele,
paguei a conta e dei o troco para o garoto, que me retribuiu com um dos mais
belos e sinceros sorrisos que eu já recebi na vida, e com um 'Brigado tio,
você é legal!'. Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo
insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel rodeia de
verdade, e fazemos de conta que não percebemos!

Rosa Pena [http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto085.shtml ou Seu site: www.rosapena.recantodasletras.com.br




Abraços Solidários e Agradecimentos a Patricia Montenegro, pela identificação do texto que nos tinha chegado em email sem Autoria.

Duarte Antunes